Dia Internacional da Mulher - uma reflexão
Clarice Lispector tem um texto intitulado “E se eu fosse eu”. Nele, faz considerações que caberiam a qualquer um de nós, homens e mulheres. Ela lança o desafio: “Experimente. Se você fosse você, como seria e o que faria?” Assim como Clarice, a citação de Simone de Beauvoir, no ENEM 2015, é também provocativa: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Se milhões de adolescentes tiveram a oportunidade de fazer esta reflexão, é mais do que hora de também nós olharmos com a devida seriedade o universo que nos cerca:
- No dia de hoje, 13 mulheres, em média, serão assassinadas no Brasil. Uma a cada duas horas. 78, de hoje até domingo. As pobres e negras, as mais desprotegidas.
- Uma em cada 5 mulheres já sofreu violência por parte de um homem, na maior parte dos casos, seu próprio parceiro.
- Cinco mil mulheres são mortas por crime de honra, no mundo, por ano.
- 52% das mulheres economicamente ativas já sofreram assédio sexual, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Se não começarmos por aproveitar o 08 de março para problematizar a cultura machista, sexista, racista, classista que temos, estaremos escrevendo nosso papel na história (e, mais grave ainda, na história da educação brasileira) como o daqueles que fazem coro com ela.
Enquanto andar pelas ruas sem medo de morrer ou ser estuprado for uma coisa normal para o homem e, do ponto de vista da mulher, for "privilégio masculino" (e, talvez, um dos maiores) e nós, trabalhadores da educação, nada fizermos para alterar este estado de coisas, estaremos falhando enorme e gravemente em nossa missão.
SUBVERSÃO
Quando ela nasceu,
as bruxas estavam em outra.
Não se enraiveceram
Por não terem sido convidadas
Para a festa.
Não se preocuparam
Em oferecer presentinhos
Que fazem adormecer.
Com que maestria
Fizeram seu trabalho!
Tornou-se, de fato,
Uma “boa menina”:
Que senta “com modos”,
Porque não é menino.
Que aprendeu, desde cedo,
O que fazer pra ser mulher.
Cabelos longos, babados, lacinhos.
Se é Maria, não Joãozinho,
Nada de bola ou carrinho.
Boneca, fogão, panela.
Garfo, faca, colher.
Mulher!
Atenção aos decotes, pernas de fora.
O lobo está solto, não demora.
E ele... vai aonde quer, Mulher!
Que sabe que, conforme se veste,
Atrai cavalheiro ou cafajeste.
Que alisa cabelos, pinta as unhas,
Depila, põe silicone,
Malha glúteos, abdome, pernas,
Clareia dentes, corre para academia...
Leva tudo isso muito a sério, sem brincadeira,
Porque não quer ficar na prateleira.
Assim é selado o pacto,
Entendidas as regras do jogo.
Pra ele, a liberdade.
Sem medo, sem restrição.
Pra ela, é outra a verdade
Teme a morte, estupro, agressão.
Fala em igualdade, é radical.
Impõe respeito? É cara de pau.
Justiça? Já existe, é constitucional.
Treze mortas por dia, duas por hora.
Pobres e negras, na maioria.
É natural?
Não. Mas se tornou habitual.
Se a sociedade se cala, mau sinal.
Vai mal!
Sutil e lentamente
Veio o adormecimento.
Todo o “reino” adormeceu junto!..
Mas... não há príncipe
Para o doce despertar.
Ele há de ser, então,
Mais doloroso,
Misto de feitiço e ousadia.
Mentiram pra ela!
Não houve agulha de tear
Para espetar-lhe o dedo.
Se houvesse, poderia, ao menos,
Tentar fugir dela!
O que aconteceu com os contos de fada?
Subverteram a ordem?
Subverteram a ordem.